quinta-feira, 17 de junho de 2010

O meu amigo RAP na crónica da Visão. A não perder...


A ululante vuvuzela chachateia

Portugal reduziu a Costa do Marfim à dimensão de Cabo Verde,

que também já tinha humilhado com igual empate a zero bolas

2:39 Quinta-feira, 17 de Jun de 2010
A característica mais saliente do campeonato mundial de futebol da
África do Sul é o facto de todos os jogos decorrerem dentro do
reactor de um avião que está no meio de um engarrafamento de
camionetas com a panela do escape rota, camionetas essas que
levam dois milhões de lenhadores, cada um deles munido de duas
motosserras. O espectador que arrisca acompanhar as partidas tem
a sensação de estar uma hora e meia com uma varejeira do tamanho
de um caniche junto de cada ouvido. Sendo que essas varejeiras
também estão munidas de motosserras.
Nesse sentido, o Costa do Marfim-Portugal principiou com uma
falsidade: ao contrário do que os jogadores portugueses cantaram,
não se sentia a voz dos egrégios avós.
Em geral, não se sente a voz de ninguém, que as vuvuzelas não deixam.
O que se perde em paciência, ganha-se em aprumo disciplinar: muito
dificilmente um jogador será expulso por palavras, na África do Sul.
Os árbitros não ouvem insultos nem que o Placido Domingo lhos grite
aos ouvidos. Talvez não seja mau passar a avaliar os países candidatos
à organização do torneio, tendo em conta o seu instrumento nacional.
Países em que haja apreço musical por tubas, violoncelos e pianos de
cauda dão bons anfitriões. Tudo o que não possa ser transportado
para a bancada de um estádio deve ser valorizado.
Entretanto, apercebo-me de que fiz referência ao Costa do
Marfim-Portugal e o leitor, se calhar, nem sabe que houve jogo.
É tão raro haver uma notícia, um comentário, uma análise, um especial
de quatro horas e meia sobre o Mundial que, quem não estiver com
atenção, perde a maior parte das informações. Imagino o leitor a rebolar
no chão, convulso de riso, por causa deste belo naco de ironia.
Na verdade, é mais fácil uma pessoa esquecer-se de que o Natal calha
a 25 de Dezembro do que ignorar que Portugal jogava com a Costa do
Marfim no dia 15 de Junho.
E a tensão em que esperámos pelo dia da estreia de Portugal no Mundial,
a indignação com que vituperámos o ligamento que deixou de aconchegar
a clavícula do Nani, a expectativa com que acompanhámos a partida do
autocarro da equipa, o interesse com que seguimos a chegada do
autocarro da equipa, o orgulho com que assistimos ao estacionamento do
autocarro da equipa - tudo valeu a pena. Portugal não perdeu.
E reduziu a Costa do Marfim à dimensão de Cabo Verde, que também já tinha
humilhado com igual empate a zero bolas.

Sobre o jogo propriamente dito, creio que não tenho qualificações para
me pronunciar. Infelizmente, sou um rústico incapaz de captar as subtilezas
do verdadeiro futebol de qualidade. Só para o leitor ficar com uma ideia
de quão primária é a minha perspectiva sobre o jogo, devo dizer-lhe que
prefiro aquelas partidas em que os jogadores fazem boas jogadas, no fim
das quais enfiam mesmo a bola na baliza dos adversários.
Já houve um tempo em que a selecção nacional jogava dessa forma bruta
e pouco sofisticada mas, segundo me informam os especialistas, agora é
que a equipa de Portugal está a ser treinada como deve ser. Por um
professor, e tudo. No entanto, no fim do jogo, e antes de entrar no
autocarro (cuja partida voltou a emocionar-nos) Deco criticou
o estilo do futebol definido por Carlos Queirós. Nani já tinha deixado
críticas implícitas e Ronaldo teve a desfaçatez de recordar Scolari,
na última conferência de imprensa.
Tudo isto se torna mais grave por ocorrer nas vésperas do nosso
encontro com a Coreia do Norte. Será o embate entre a selecção do
Querido Líder e uma equipa cujo líder é tão pouco querido.
Pode ser perigoso.

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